Manifesto pela Razoabilidade na Indicação do Coordenador-Geral de Saúde Bucal no Ministério da Saúde e pela Manutenção da Política Nacional de Saúde Bucal

O esforço e o empenho para se construir uma Política Nacional de Saúde Bucal vêm se dando no Brasil desde a década de 50, fruto da dedicação dos profissionais da Odontologia, comprometidos com a saúde da população e com a proposição de um serviço público eficiente, universal e capaz de promover e cuidar da saúde bucal dos brasileiros. Este esforço dos profissionais de saúde bucal propiciou que o Brasil desenvolvesse expertise tanto em produção do conhecimento como no desenvolvimento de tecnologias de gestão e na produção do cuidado em saúde bucal. O Brasil, além de apresentar destacada referência mundial em publicações científicas, configura-se como modelo de gestão ao desenvolver o maior sistema de saúde bucal público e universal do mundo. Ao mesmo tempo, o Brasil ousou em construir um sistema público de saúde incorporando o controle social e os usuários, sendo referendado por três Conferências Nacionais de Saúde Bucal (1986, 1993 e 2004). Construímos três grandes estudos epidemiológicos de abrangência nacional (1986, 2003 e 2010). Incorporamos a saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família e na Atenção Primária à Saúde e, com o lançamento em 2004 da Política Nacional de Saúde Bucal, o Brasil Sorridente, a saúde bucal passou a ser reconhecida como um direito de cidadania e responsabilidade do Estado.

Com o Brasil Sorridente, o Brasil aumentou o financiamento para a Odontologia, expandiu significativamente os serviços na atenção básica, criou os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e os Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD), inserindo as especialidades odontológicas na atenção especializada do SUS, incorporou a Odontologia na atenção terciária, expandiu a cobertura da fluoretação das águas de abastecimento público e regulamentou as profissões de Técnico e Auxiliares de Saúde Bucal. Além disso, a implantação do Brasil Sorridente transformou o SUS no maior empregador de saúde bucal, incorporando praticamente 35% dos profissionais de Odontologia do país. Em um movimento federativo e pactuado com estados e municípios, a Odontologia e a saúde bucal se transformaram em um dos eixos estruturantes do SUS.

No entanto, ao longo dos últimos anos, temos acompanhado a perda de espaço e do protagonismo da saúde bucal no Ministério da Saúde. Simultaneamente, o Estado Brasileiro tem optado por uma política de desenvolvimento que não privilegia as políticas sociais, entre elas o SUS, a Educação e a Política de Nacional de Saúde Bucal. A Emenda Constitucional 95 é um exemplo desta opção de austeridade que estrangula o financiamento da Educação e da Saúde. Além disso, nos últimos cinco anos, a Coordenação Nacional de Saúde Bucal do Ministério da Saúde sofreu trocas sucessivas de coordenadores. Esta alternância constante impede a consolidação de políticas públicas em qualquer campo, sendo agravada na área da Saúde, uma vez que provoca a descontinuidade dos projetos e denota uma desresponsabilização do estado brasileiro com a saúde bucal dos seus cidadãos e com os profissionais de Odontologia. Ademais, neste mesmo período, muitos indicadores de acesso, implantação de serviços, produção e cobertura assistencial sofreram reduções drásticas. Esse encolhimento expressivo está diretamente relacionado aos cortes no financiamento da área. 

Este quadro infelizmente culmina com o fato de que, no último dia dezenove de junho, fomos informados, por meio da publicação no Diário Oficial da União, da Portaria MS no 1.557, da nomeação do Sr. Vivaldo Pinheiro Guimarães Júnior, para o Cargo de Coordenador-Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde.

Trata-se de uma pessoa completamente desconhecida pela comunidade científica, acadêmica e odontológica do País. Não se tem informações sobre qualquer relação ou experiência profissional do Sr. Vivaldo Pinheiro Guimarães Júnior, no campo da Saúde, na Saúde Pública e, muito menos, na Saúde Bucal. A indicação de gestores deve sempre se pautar no conceito da razoabilidade, ou seja, a competência técnica para exercer tal função. Por conseguinte, a indicação do Sr. Vivaldo Pinheiro Guimarães Júnior configura-se em um despropósito e suas consequências poderão afetar a saúde de milhões de brasileiros.

Os signatários desse documento não podem aceitar que decisões dessa natureza, que afetam o trabalho de inúmeros profissionais da Odontologia, da saúde bucal no SUS e, principalmente, a saúde da população brasileira, sejam tomadas sem critérios técnicos, científicos e éticos. Repudiamos a indicação de alguém cuja trajetória não indica a experiência mínima e o conhecimento necessários à função de gestor, em nível nacional, da Política Nacional de Saúde Bucal. 

Reafirmamos nosso compromisso com políticas sociais que garantam o direito à uma boa qualidade de vida para os brasileiros. Por isso, reafirmamos, também, a importância da adoção de critérios justos e adequados à escolha de um nome que tenha legitimidade do setor para conduzir a Política Nacional de Saúde Bucal.

São Paulo, 22 de junho de 2020

Isabela Almeida Pordeus
Presidente da SBPqO

 

Subscrevem o documento as seguintes entidades:

  • Associação Brasileira de Ensino Odontológico – ABENO
  • Associação Brasileira de Odontologia Legal – ABOL
  • Associação Brasileira de Odontopediatria – ABOPED
  • Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial – ABOR
  • Associação Brasileira de Saúde Coletiva, GT Saúde Bucal Coletiva– ABRASCO/GT SAÚDE BUCAL COLETIVA
  • Grupo Brasileiro de Professores de Dentística – GBPD
  • Grupo Brasileiro de Professores de Ortodontia e Odontopediatria – GRUPO
  • Observatório Ibero-americano de Políticas Públicas em Saúde Bucal
  • Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – SBDOF
  • Sociedade Brasileira de Endodontia – SBEndo
  • Sociedade Brasileira de Estomatologia e Patologia Oral – SOBEP
  • Sociedade Brasileira de Odontologia Digital – SBO DIGITAL
  • Sociedade Brasileira de Periodontia – SOBRAPE

 

NOTA DO GRUPO

O Grupo Brasileiro de Professores de Ortodontia e Odontopediatria (GRUPO), órgão que congrega os professores das duas especialidades odontológicas de todo o país, preocupado com as políticas nacionais de saúde e especificamente, da saúde bucal dos brasileiros, expressa apoio irrestrito ao “Manifesto pela Razoabilidade na Indicação do Coordenador-Geral de Saúde Bucal no Ministério da Saúde e pela Manutenção da Política Nacional de Saúde Bucal”, assinado por diversas associações odontológicas do país.

A adesão do GRUPO à assinatura do documento foi precedida de análise dos termos do Manifesto. Para esta finalidade foi criada uma Comissão Técnica composta por Professores das duas especialidades: Alexandre Moro (Ortodontia – UFPR), Daniela Prócida Raggio (Odontopediatria – FOUSP), David Normando (Ortodontia – UFPA), Fabian Calixto Fraiz (Odontopediatria – UFPR),   Jorge Abrão (Ortodontia – FOUSP) e Saul Martins Paiva (Odontopediatria – UFMG).  

Piracicaba, 23 de junho de 2020.

Prof. Dr. Carlos Alberto Mundstock (presidente do GRUPO)
Profa. Dra. Carolina Júdica Ramos (secretária do GRUPO)